1. Professora do Instituto de Nutrição da UERJ, Mestre em.
2. Aluna de Iniciação Científica da UERJ.
3. Aluna de Iniciação Científica da UERJ.
4. Professor Adjunto de Clinica Médica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
INTRODUÇÃO
A hipertensão arterial (HA) primária é a forma mais comum de hipertensão
cuja causa permanece desconhecida. Entretanto, muitos fatores têm sido
implicados na sua patogênese, como o sistema
renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) e a hiperativação do sistema
nervoso simpático. Além desses, alterações intracelulares nos íons
cálcio, sódio, potássio e magnésio também têm sido relacionadas à
elevação da pressão arterial (PA).
De acordo com a VI Diretriz Brasileira de HA, a prevalência desta doença
na população brasileira é acima de 30%, segundo estudos realizados nos
últimos vinte anos1. Por esta razão, vários tratamentos têm sido
propostos para o controle e prevenção da HA. Entre os diversos estudos
referentes aos tratamentos não farmacológicos, destaca-se a necessidade
da mudança de estilo de vida com a inclusão da prática da atividade
física regular e de hábitos alimentares saudáveis.
Estudos observacionais comprovam que a dieta rica em potássio, magnésio e
cálcio, presentes, principalmente, em frutas e vegetais está associada à
menor incidência e mortalidade por doenças cardiovasculares (DCV)2. O
magnésio, em especial, tem sido alvo de muitos estudos3, e há
significativa correlação inversa entre níveis séricos de magnésio e
incidência de DCV4. Além disso, pacientes hipertensos, geralmente,
apresentam redução do conteúdo intracelular de magnésio, enquanto que os
conteúdos de sódio e cálcio estão, frequentemente, aumentados em
comparação com normotensos.
A Recomendação Dietética (
Recommended Dietary Allowances/RDA)
para o magnésio é de 400 a 420mg diários para homens adultos e de 310 a
320mg diários para mulheres adultas; no entanto, o consumo está bem
abaixo desta recomendação e a grande prevalência desta deficiência vem
sendo associada a diversas doenças crônicas. O magnésio encontra-se na
maioria dos alimentos, porém, em concentrações variadas. São
considerados alimentos com altas concentrações os vegetais escuros
folhosos, oleaginosas, cereais integrais e frutas e legumes5.
A fim de reunir mais informações sobre a associação de magnésio com
doenças cardiovasculares, foi realizada uma revisão narrativa da
literatura por meio da base de dados Pub- Med, com os seguintes
descritores:
magnesium, intracellular magnesium, hypertension, arterial stiffness, endothelial function.
Foram incluídos diretrizes, revisões narrativas, estudos controlados e
trabalhos experimentais, excluídos relatos de caso, nos últimos 15 anos
(1996-2011).
Ações fisiológicas do magnésio
O mineral magnésio é o segundo mais abundante cátion intracelular e está
envolvido em diversas e importantes reações bioquímicas6. Sabe-se que o
magnésio possui efeito antiarrítmico, atua no tônus vascular [pois
alterações no conteúdo extracelular de magnésio são capazes de modificar
a formação e a liberação de óxido nítrico (NO)], resultando na
alteração do tônus da musculatura lisa arterial e na contratilidade por
afetar as concentrações de cálcio e, também, participa no metabolismo da
glicose e na homeostase da insulina. Por esta razão, tem sido sugerido
que a deficiência de magnésio ou alterações no seu metabolismo estejam
relacionados com a fisiopatologia da hipertensão, arritmias,
pré-eclâmpsia, resistência à insulina e diabetes7.
Menores concentrações de magnésio estão associadas à redução do
HDL-colesterol, aumento do LDL-colesterol e dos triglicerídeos7.
Adicionalmente, a deficiência deste mineral já foi previamente
relacionada com estresse oxidativo, estado pró-inflamatório, disfunção
endotelial, agregação plaquetária, resistência à insulina e
hiperglicemia8.
Altos níveis de magnésio podem aumentar produção de adenosina trifosfato
(ATP) intracelular e utilização de glicose, pois o magnésio atua como
cofator de todas as reações que envolvem transferência de ATP9. A ação
do magnésio como um bloqueador de canais de cálcio também pode
contribuir para reduzir a liberação de cálcio e, assim, reduzir a
resistência vascular. Além disso, o magnésio também ativa a bomba Na-K
ATPase que controla o equilíbrio desses minerais contribuindo, então,
para a homeostase dos eletrólitos nas células10.
Com relação à homeostase da insulina, há uma hipótese de que, na
hipomagnesemia, ocorreria aumento da secreção de insulina e adrenalina
na tentativa de manter a concentração de magnésio celular e de AMPc
(adenosina 3',5'-monofosfato cíclica). Além disso, a concentração
intracelular de magnésio parece ser dependente do nível extracelular,
sendo seu influxo através de canais de cálcio voltagem-dependente; e se o
magnésio extracelular pode, competitivamente, inibir esses canais e a
corrente de cálcio, provocando redução da secreção de insulina, quando
não houver magnésio no espaço extracelular esta inibição não ocorrerá,
resultando em maior secreção de insulina.
Alguns estudos apontam o possível papel do magnésio intracelular como
regulador na atividade dos principais canais de comunicação da membrana
celular, sugerindo que pode haver uma associação entre alterações no
conteúdo intracelular de íons induzida pela suplementação de magnésio e
seu efeitos anti-hipertensivos11.
Magnésio e pressão arterial
Modelos experimentais de hipertensão têm sido associados à redução dos
níveis séricos e teciduais de magnésio. No modelo DOCA-sal, os animais
são uninefrectomizados e tratados cronicamente com acetato de
desoxicorticosterona (DOCA) e cloreto de sódio (NaCl) a 1% na água de
beber12. Nos ratos espontaneamente hipertensos (SHR), a elevação da PA
ocorre a partir da idade de adulto jovem, em torno de 12 a 16 semanas de
vida, sendo atribuída a um componente genético semelhante à hipertensão
essencial humana12. Nestes dois modelos, níveis reduzidos de magnésio
intracelular foram notados nas células musculares lisas e nos
cardiomiócitos.
Por outro lado, a suplementação de magnésio teve pouco efeito
anti-hipertensivo no SHR adulto com hipertensão bem estabelecida. Na
verdade, o efeito da suplementação só foi positivo nos animais mais
jovens, quando iniciado na fase pré-hipertensiva, prevenindo ou, pelo
menos, atenuando o desenvolvimento da hipertensão13. Este achado é
altamente sugestivo de um efeito mais preventivo da suplementação de
magnésio, podendo evitar ou abrandar a elevação da PA em uma fase
precoce de aparecimento da HA.
Em outros estudos experimentais, a deficiência do magnésio dietético
esteve associada ao aumento dos níveis pressóricos de animais
normotensos e a suplementação reverteria este quadro. No entanto,
estudos clínicos de suplementação de magnésio em pacientes hipertensos
mostram resultados divergentes. Apesar de se mostrar que pacientes
hipertensos apresentam nível de magnésio sérico reduzido quando
comparado com pacientes normotensos e que alguns estudos mostraram
redução dos níveis pressóricos após suplementação de magnésio (Tab.1)3,
outros estudos não confirmam este achado. Por esta razão, embora seja
recomendada a ingestão adequada de magnésio através da dieta, a
suplementação deste mineral ainda não é indicada como parte do
tratamento anti-hipertensivo1.
Estudos experimentais, clínicos e epidemiológicos têm observado uma
estreita e inversa relação entre a ingestão dietética ou suplementação
de magnésio e nível de PA, indicando o potencial papel da deficiência de
magnésio na patogenia da hipertensão primária14. Todavia o mecanismo
não está esclarecido. Os efeitos do magnésio sobre o crescimento e
inflamação da célula muscular lisa podem ser importantes.
Pacientes hipertensos sem controle da PA apresentam hipomagnesemia, e
com a Medida Ambulatorial da PA (MAPA), considerada uma ferramenta
importante na avaliação de tratamentos que afetam o ciclo circadiano da
pressão, 15 Lasaridis e colaboradores demonstraram que a suplementação
de magnésio foi associada à discreta redução dos níveis pressóricos de
pacientes com hipertensão leve3.
Um estudo que comparou a relação entre concentração sérica de magnésio
com desenvolvimento de disfunção vascular, hipertensão e aterosclerose
não mostrou resultados suficientes para suportar esta hipótese, ou seja,
o magnésio sérico baixo não pode ser considerado fator de risco para
desenvolvimento dessas doenças16.
Magnésio e estrutura vascular
A HA, também, está associada a mudanças desfavoráveis nas propriedades
elásticas das artérias de grande e pequeno calibre e alguns estudos têm
demonstrado o independente papel prognóstico da rigidez arterial em
eventos cardiovasculares em pacientes hipertensos, que pode ser avaliada
por medidas da velocidade de onda de pulso (VOP). No entanto, poucos
são os estudos que mostram a influência do magnésio nesta condição até o
momento. Van Laecke e colaboradores, por exemplo, mostraram que a
hipomagnesemia sérica, associada à HA, disfunção endotelial,
dislipidemia e inflamação, pode afetar a rigidez vascular em pacientes
que realizaram transplante renal já que o baixo magnésio sérico foi
independentemente associado com a VOP avaliada pelo SphygmoCor17. Em um
estudo experimental avaliando a estrutura da carótida em ratos, a
deficiência de magnésio foi associada a um remodelamento vascular
hipertrófico, o que foi atenuado pela suplementação deste íon. Estes
achados sugerem que a deficiência de magnésio modifica as propriedades
mecânicas em animais jovens, podendo ser um mecanismo envolvido na
patogênese da hipertensão, aterosclerose e outras doenças
cardiovasculares18.
Outros possíveis mecanismos de ação do magnésio seriam as suas
propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes e moduladoras do
crescimento celular, já que a produção de espécies reativas de oxigênio
costuma estar aumentada na vasculatura de pacientes hipertensos e a
participação do magnésio poderia ocorrer através da redução do estresse
oxidativo e de sua ação anti-inflamatória19.
Magnésio e função vascular
A disfunção endotelial refere-se a um desequilíbrio na produção
endotelial de mediadores que regulam o tônus vascular, agregação
plaquetária, coagulação e fibrinólise, sendo o tônus vascular o aspecto
mais estudado. Há uma piora no relaxamento dependente do endotélio, que
pode ser causado tanto pela perda da biodisponibilidade do óxido nítrico
(NO) como por alterações na produção de outras substâncias vasoativas
derivadas do endotélio, como a endotelina 1, angiotensina II, entre
outras.
O papel do magnésio na disfunção endotelial tem sido discutido na
literatura. De fato, já foi relatado que o magnésio modifica o tônus
vascular através da regulação das funções do endotélio e da célula
muscular lisa e que tem um papel importante na via clássica da liberação
de NO. Experimentos em animais, também, demonstraram aumento da
produção de prostaciclina e de NO pelo magnésio, promovendo
vasodilatação dependente e independente de endotélio20.
A resistência vascular periférica pode ser modificada pelo magnésio,
também, através da regulação de respostas a agentes vasoativos,
principalmente angiotensina II, endotelina e prostaciclina. Em animais
deficientes em magnésio, foram observados níveis elevados de
endotelina-1, cujos valores foram reduzidos após a suplementação deste
mineral21.
Um estudo que acompanhou mais de 90 mil mulheres menopausadas mostrou
que a ingestão de magnésio na dieta foi inversamente associada a
concentrações plasmáticas de marcadores inflamatórios como IL-6,
Proteína C-reativa (PCR) e TNF-α22. Este mesmo estudo reforçou que a
ingestão de magnésio melhoraria o processo inflamatório e a disfunção
endotelial, podendo desempenhar um papel na prevenção da síndrome
metabólica.
Poucos são os estudos relacionando efeitos da suplementação de magnésio a
exames detalhados, como a avaliação da função endotelial, da rigidez
arterial e da espessura médio-intimal da carótida. Alguns relatos na
literatura sugerem o efeito benéfico da suplementação de magnésio na
melhora da função endotelial da artéria braquial em pacientes com doença
arterial coronariana (Fig.1)23, com insuficiência cardíaca24 e em
diabéticos25 e outros mostram que a suplementação de magnésio pode
melhorar a sensibilidade à insulina26,27.
Figura 1: Correlação do percentual de variação da dilatação mediada por
Fluxo (%FMD) da artéria Braquial com níveis de magnésio intracelular
([Mg]I)23.
Suplementação de magnésio
O magnésio pode ser suplementado de formas diferentes, como óxido,
hidróxido, quelato, sulfato e citrato. O sulfato de magnésio, por
exemplo, pode ser usado como profilaxia e no tratamento
anticonvulsivante na pré-eclâmpsia devido ao seu papel na regulação da
pressão arterial por ação no tônus vascular28.
Alguns estudos mostraram redução de níveis pressóricos após a
suplementação de magnésio. A administração de óxido de magnésio (400
mg/dia) durante oito semanas em pacientes hipertensos foi capaz de
reduzir níveis pressóricos e essa redução foi detectada na medida casual
e na monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA)29. Um estudo
com 48 pacientes mostrou que os pacientes que receberam 600mg de
pidolato de magnésio por dia também apresentaram redução nos níveis
pressóricos dos pacientes suplementados, quando comparados ao grupo que
não recebeu o suplemento3. Esta mesma dosagem de suplemento, também, foi
associada à redução de colesterol, LDL e triglicerídeos e à melhora da
resistência à insulina.
Haenni e colaboradores apresentaram efeitos positivos da suplementação
de magnésio a fim de confirmar a relação entre o metabolismo deste
mineral e a alteração da função endotelial ao mostrar o aumento da
vasodilatação dependente de endotélio após infusão de magnésio30. Além
disso, outro estudo demonstrou que a suplementação crônica de magnésio
foi capaz de melhorar a função endotelial de pacientes com doença
arterial coronariana23.
PERSPECTIVAS
O magnésio é um mineral com funções importantes no organismo e é
importante que seus níveis estejam adequados. Os resultados conflitantes
dos estudos que avaliaram os efeitos de suplementos de magnésio sobre a
pressão arterial e outros desfechos cardiovasculares intermediários
indicam que a ação do magnésio no sistema vascular está presente, mas
ainda não estabelecida. Certamente, a falta de conclusões definitivas se
deve à heterogeneidade das populações estudadas com diferentes perfis
clínicos e gravidades de doença, ausência de padronização do tipo de
suplemento e da dose administrada e, por fim, tempo de tratamento muito
curto, na maioria das vezes entre 1 e 3 meses, dificultando atingir os
objetivos primários. Baseado nos estudos mais recentes, embora não
podemos fazer afirmações categóricas, parece que o magnésio está mais
envolvido nas características funcionais dos vasos, sem influência sobre
a estrutura vascular, e também sobre o equilíbrio metabólico local.
Sendo assim, mais estudos são necessários para avaliar os riscos da
deficiência de magnésio e os efeitos que devem ser considerados em
suplementações deste mineral. Mas, talvez, o mais importante seja
definir de forma homogênea a população do estudo, considerando mesmo
gênero e faixa etária restrita, unificar a dose e o tipo de suplemento, e
manter a suplementação por um período maior. Dessa forma, é possível
que possamos esclarecer melhor o papel do magnésio na prevenção e no
tratamento das doenças cardiovasculares.
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