Efeitos do magnésio sobre a estrutura e função vascular
Ana Rosa Cunha1
Bianca Umbelino2
Margarida L. Correia3
Mario F. Neves4
Bianca Umbelino2
Margarida L. Correia3
Mario F. Neves4
1. Professora do Instituto de Nutrição da UERJ, Mestre em.
2. Aluna de Iniciação Científica da UERJ.
3. Aluna de Iniciação Científica da UERJ.
4. Professor Adjunto de Clinica Médica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
2. Aluna de Iniciação Científica da UERJ.
3. Aluna de Iniciação Científica da UERJ.
4. Professor Adjunto de Clinica Médica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Resumo
Muitos fatores têm sido implicados na patogênese da hipertensão arterial como, por exemplo, alterações intracelulares nos íons cálcio, sódio, potássio e magnésio. Este último tem sido alvo de estudos por haver significativa correlação inversa entre seus níveis séricos e incidência de doença cardiovascular. O magnésio é um mineral com funções importantes no organismo e é importante que seus níveis estejam adequados. Possui efeito antiarrítmico, atua no tônus vascular, na contratilidade, no metabolismo da glicose e na homeostase da insulina. Além disso, menores concentrações de magnésio estão associadas a estresse oxidativo, estado pró-inflamatório, disfunção endotelial, agregação plaquetária, resistência à insulina e hiperglicemia. Os resultados conflitantes dos estudos que avaliaram os efeitos de suplementos de magnésio sobre a pressão arterial e outros desfechos cardiovasculares intermediários indicam que a ação do magnésio no sistema vascular está presente, mas ainda não estabelecida. Por isso, a suplementação deste mineral ainda não é indicada como parte do tratamento anti-hipertensivo. Dessa forma, são necessários mais estudos para que seja possível esclarecer melhor o papel do magnésio na prevenção e no tratamento das doenças cardiovasculares.
Descritores: Magnésio; Hipertensão arterial; Rigidez vascular; Disfunção endotelial.
Abstract
Many factors have been implicated in the pathogenesis of hypertension, as example, intracellular alterations of calcium, sodium, potassium and magnesium. Magnesium has been target for studies due to inverse correlation between its serum levels and the incidence of cardiovascular disease. Magnesium is a mineral with important functions in the body and it is important that its levels are appropriate. It promotes antiarrythmic effects, acting in vascular tone, contractility, glucose metabolism and insulin homeostasis. Moreover, lower magnesium concentrations are associated with oxidative stress, pro-inflammatory status, endothelial dysfunction, platelet aggregation, insulin resistance and hyperglycemia. The controversial results of studies that evaluated the effects of magnesium supplements on blood pressure and other intermediate cardiovascular outcome indicate that magnesium action in vascular system is present but not clarified yet. Therefore this mineral supplementation is not yet indicated as a part of anti-hypertensive treatment. Thus, further studies are needed in order to elucidate the role of magnesium in prevention and treatment of cardiovascular diseases.
Keywords: Magnesium; Hypertension; Vascular sti%ness; Endothelial dysfunction.
Muitos fatores têm sido implicados na patogênese da hipertensão arterial como, por exemplo, alterações intracelulares nos íons cálcio, sódio, potássio e magnésio. Este último tem sido alvo de estudos por haver significativa correlação inversa entre seus níveis séricos e incidência de doença cardiovascular. O magnésio é um mineral com funções importantes no organismo e é importante que seus níveis estejam adequados. Possui efeito antiarrítmico, atua no tônus vascular, na contratilidade, no metabolismo da glicose e na homeostase da insulina. Além disso, menores concentrações de magnésio estão associadas a estresse oxidativo, estado pró-inflamatório, disfunção endotelial, agregação plaquetária, resistência à insulina e hiperglicemia. Os resultados conflitantes dos estudos que avaliaram os efeitos de suplementos de magnésio sobre a pressão arterial e outros desfechos cardiovasculares intermediários indicam que a ação do magnésio no sistema vascular está presente, mas ainda não estabelecida. Por isso, a suplementação deste mineral ainda não é indicada como parte do tratamento anti-hipertensivo. Dessa forma, são necessários mais estudos para que seja possível esclarecer melhor o papel do magnésio na prevenção e no tratamento das doenças cardiovasculares.
Descritores: Magnésio; Hipertensão arterial; Rigidez vascular; Disfunção endotelial.
Abstract
Many factors have been implicated in the pathogenesis of hypertension, as example, intracellular alterations of calcium, sodium, potassium and magnesium. Magnesium has been target for studies due to inverse correlation between its serum levels and the incidence of cardiovascular disease. Magnesium is a mineral with important functions in the body and it is important that its levels are appropriate. It promotes antiarrythmic effects, acting in vascular tone, contractility, glucose metabolism and insulin homeostasis. Moreover, lower magnesium concentrations are associated with oxidative stress, pro-inflammatory status, endothelial dysfunction, platelet aggregation, insulin resistance and hyperglycemia. The controversial results of studies that evaluated the effects of magnesium supplements on blood pressure and other intermediate cardiovascular outcome indicate that magnesium action in vascular system is present but not clarified yet. Therefore this mineral supplementation is not yet indicated as a part of anti-hypertensive treatment. Thus, further studies are needed in order to elucidate the role of magnesium in prevention and treatment of cardiovascular diseases.
Keywords: Magnesium; Hypertension; Vascular sti%ness; Endothelial dysfunction.
INTRODUÇÃO
A hipertensão arterial (HA) primária é a forma mais comum de hipertensão cuja causa permanece desconhecida. Entretanto, muitos fatores têm sido implicados na sua patogênese, como o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) e a hiperativação do sistema nervoso simpático. Além desses, alterações intracelulares nos íons cálcio, sódio, potássio e magnésio também têm sido relacionadas à elevação da pressão arterial (PA).
De acordo com a VI Diretriz Brasileira de HA, a prevalência desta doença na população brasileira é acima de 30%, segundo estudos realizados nos últimos vinte anos1. Por esta razão, vários tratamentos têm sido propostos para o controle e prevenção da HA. Entre os diversos estudos referentes aos tratamentos não farmacológicos, destaca-se a necessidade da mudança de estilo de vida com a inclusão da prática da atividade física regular e de hábitos alimentares saudáveis.
Estudos observacionais comprovam que a dieta rica em potássio, magnésio e cálcio, presentes, principalmente, em frutas e vegetais está associada à menor incidência e mortalidade por doenças cardiovasculares (DCV)2. O magnésio, em especial, tem sido alvo de muitos estudos3, e há significativa correlação inversa entre níveis séricos de magnésio e incidência de DCV4. Além disso, pacientes hipertensos, geralmente, apresentam redução do conteúdo intracelular de magnésio, enquanto que os conteúdos de sódio e cálcio estão, frequentemente, aumentados em comparação com normotensos.
A Recomendação Dietética (Recommended Dietary Allowances/RDA) para o magnésio é de 400 a 420mg diários para homens adultos e de 310 a 320mg diários para mulheres adultas; no entanto, o consumo está bem abaixo desta recomendação e a grande prevalência desta deficiência vem sendo associada a diversas doenças crônicas. O magnésio encontra-se na maioria dos alimentos, porém, em concentrações variadas. São considerados alimentos com altas concentrações os vegetais escuros folhosos, oleaginosas, cereais integrais e frutas e legumes5.
A fim de reunir mais informações sobre a associação de magnésio com doenças cardiovasculares, foi realizada uma revisão narrativa da literatura por meio da base de dados Pub- Med, com os seguintes descritores: magnesium, intracellular magnesium, hypertension, arterial stiffness, endothelial function. Foram incluídos diretrizes, revisões narrativas, estudos controlados e trabalhos experimentais, excluídos relatos de caso, nos últimos 15 anos (1996-2011).
Ações fisiológicas do magnésio
O mineral magnésio é o segundo mais abundante cátion intracelular e está envolvido em diversas e importantes reações bioquímicas6. Sabe-se que o magnésio possui efeito antiarrítmico, atua no tônus vascular [pois alterações no conteúdo extracelular de magnésio são capazes de modificar a formação e a liberação de óxido nítrico (NO)], resultando na alteração do tônus da musculatura lisa arterial e na contratilidade por afetar as concentrações de cálcio e, também, participa no metabolismo da glicose e na homeostase da insulina. Por esta razão, tem sido sugerido que a deficiência de magnésio ou alterações no seu metabolismo estejam relacionados com a fisiopatologia da hipertensão, arritmias, pré-eclâmpsia, resistência à insulina e diabetes7.
Menores concentrações de magnésio estão associadas à redução do HDL-colesterol, aumento do LDL-colesterol e dos triglicerídeos7. Adicionalmente, a deficiência deste mineral já foi previamente relacionada com estresse oxidativo, estado pró-inflamatório, disfunção endotelial, agregação plaquetária, resistência à insulina e hiperglicemia8.
Altos níveis de magnésio podem aumentar produção de adenosina trifosfato (ATP) intracelular e utilização de glicose, pois o magnésio atua como cofator de todas as reações que envolvem transferência de ATP9. A ação do magnésio como um bloqueador de canais de cálcio também pode contribuir para reduzir a liberação de cálcio e, assim, reduzir a resistência vascular. Além disso, o magnésio também ativa a bomba Na-K ATPase que controla o equilíbrio desses minerais contribuindo, então, para a homeostase dos eletrólitos nas células10.
Com relação à homeostase da insulina, há uma hipótese de que, na hipomagnesemia, ocorreria aumento da secreção de insulina e adrenalina na tentativa de manter a concentração de magnésio celular e de AMPc (adenosina 3',5'-monofosfato cíclica). Além disso, a concentração intracelular de magnésio parece ser dependente do nível extracelular, sendo seu influxo através de canais de cálcio voltagem-dependente; e se o magnésio extracelular pode, competitivamente, inibir esses canais e a corrente de cálcio, provocando redução da secreção de insulina, quando não houver magnésio no espaço extracelular esta inibição não ocorrerá, resultando em maior secreção de insulina.
Alguns estudos apontam o possível papel do magnésio intracelular como regulador na atividade dos principais canais de comunicação da membrana celular, sugerindo que pode haver uma associação entre alterações no conteúdo intracelular de íons induzida pela suplementação de magnésio e seu efeitos anti-hipertensivos11.
Magnésio e pressão arterial
Modelos experimentais de hipertensão têm sido associados à redução dos níveis séricos e teciduais de magnésio. No modelo DOCA-sal, os animais são uninefrectomizados e tratados cronicamente com acetato de desoxicorticosterona (DOCA) e cloreto de sódio (NaCl) a 1% na água de beber12. Nos ratos espontaneamente hipertensos (SHR), a elevação da PA ocorre a partir da idade de adulto jovem, em torno de 12 a 16 semanas de vida, sendo atribuída a um componente genético semelhante à hipertensão essencial humana12. Nestes dois modelos, níveis reduzidos de magnésio intracelular foram notados nas células musculares lisas e nos cardiomiócitos.
Por outro lado, a suplementação de magnésio teve pouco efeito anti-hipertensivo no SHR adulto com hipertensão bem estabelecida. Na verdade, o efeito da suplementação só foi positivo nos animais mais jovens, quando iniciado na fase pré-hipertensiva, prevenindo ou, pelo menos, atenuando o desenvolvimento da hipertensão13. Este achado é altamente sugestivo de um efeito mais preventivo da suplementação de magnésio, podendo evitar ou abrandar a elevação da PA em uma fase precoce de aparecimento da HA.
Em outros estudos experimentais, a deficiência do magnésio dietético esteve associada ao aumento dos níveis pressóricos de animais normotensos e a suplementação reverteria este quadro. No entanto, estudos clínicos de suplementação de magnésio em pacientes hipertensos mostram resultados divergentes. Apesar de se mostrar que pacientes hipertensos apresentam nível de magnésio sérico reduzido quando comparado com pacientes normotensos e que alguns estudos mostraram redução dos níveis pressóricos após suplementação de magnésio (Tab.1)3, outros estudos não confirmam este achado. Por esta razão, embora seja recomendada a ingestão adequada de magnésio através da dieta, a suplementação deste mineral ainda não é indicada como parte do tratamento anti-hipertensivo1.
Estudos experimentais, clínicos e epidemiológicos têm observado uma estreita e inversa relação entre a ingestão dietética ou suplementação de magnésio e nível de PA, indicando o potencial papel da deficiência de magnésio na patogenia da hipertensão primária14. Todavia o mecanismo não está esclarecido. Os efeitos do magnésio sobre o crescimento e inflamação da célula muscular lisa podem ser importantes.
Pacientes hipertensos sem controle da PA apresentam hipomagnesemia, e com a Medida Ambulatorial da PA (MAPA), considerada uma ferramenta importante na avaliação de tratamentos que afetam o ciclo circadiano da pressão, 15 Lasaridis e colaboradores demonstraram que a suplementação de magnésio foi associada à discreta redução dos níveis pressóricos de pacientes com hipertensão leve3.
Um estudo que comparou a relação entre concentração sérica de magnésio com desenvolvimento de disfunção vascular, hipertensão e aterosclerose não mostrou resultados suficientes para suportar esta hipótese, ou seja, o magnésio sérico baixo não pode ser considerado fator de risco para desenvolvimento dessas doenças16.
Magnésio e estrutura vascular
A HA, também, está associada a mudanças desfavoráveis nas propriedades elásticas das artérias de grande e pequeno calibre e alguns estudos têm demonstrado o independente papel prognóstico da rigidez arterial em eventos cardiovasculares em pacientes hipertensos, que pode ser avaliada por medidas da velocidade de onda de pulso (VOP). No entanto, poucos são os estudos que mostram a influência do magnésio nesta condição até o momento. Van Laecke e colaboradores, por exemplo, mostraram que a hipomagnesemia sérica, associada à HA, disfunção endotelial, dislipidemia e inflamação, pode afetar a rigidez vascular em pacientes que realizaram transplante renal já que o baixo magnésio sérico foi independentemente associado com a VOP avaliada pelo SphygmoCor17. Em um estudo experimental avaliando a estrutura da carótida em ratos, a deficiência de magnésio foi associada a um remodelamento vascular hipertrófico, o que foi atenuado pela suplementação deste íon. Estes achados sugerem que a deficiência de magnésio modifica as propriedades mecânicas em animais jovens, podendo ser um mecanismo envolvido na patogênese da hipertensão, aterosclerose e outras doenças cardiovasculares18.
Outros possíveis mecanismos de ação do magnésio seriam as suas propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes e moduladoras do crescimento celular, já que a produção de espécies reativas de oxigênio costuma estar aumentada na vasculatura de pacientes hipertensos e a participação do magnésio poderia ocorrer através da redução do estresse oxidativo e de sua ação anti-inflamatória19.
Magnésio e função vascular
A disfunção endotelial refere-se a um desequilíbrio na produção endotelial de mediadores que regulam o tônus vascular, agregação plaquetária, coagulação e fibrinólise, sendo o tônus vascular o aspecto mais estudado. Há uma piora no relaxamento dependente do endotélio, que pode ser causado tanto pela perda da biodisponibilidade do óxido nítrico (NO) como por alterações na produção de outras substâncias vasoativas derivadas do endotélio, como a endotelina 1, angiotensina II, entre outras.
O papel do magnésio na disfunção endotelial tem sido discutido na literatura. De fato, já foi relatado que o magnésio modifica o tônus vascular através da regulação das funções do endotélio e da célula muscular lisa e que tem um papel importante na via clássica da liberação de NO. Experimentos em animais, também, demonstraram aumento da produção de prostaciclina e de NO pelo magnésio, promovendo vasodilatação dependente e independente de endotélio20.
A resistência vascular periférica pode ser modificada pelo magnésio, também, através da regulação de respostas a agentes vasoativos, principalmente angiotensina II, endotelina e prostaciclina. Em animais deficientes em magnésio, foram observados níveis elevados de endotelina-1, cujos valores foram reduzidos após a suplementação deste mineral21.
Um estudo que acompanhou mais de 90 mil mulheres menopausadas mostrou que a ingestão de magnésio na dieta foi inversamente associada a concentrações plasmáticas de marcadores inflamatórios como IL-6, Proteína C-reativa (PCR) e TNF-α22. Este mesmo estudo reforçou que a ingestão de magnésio melhoraria o processo inflamatório e a disfunção endotelial, podendo desempenhar um papel na prevenção da síndrome metabólica.
Poucos são os estudos relacionando efeitos da suplementação de magnésio a exames detalhados, como a avaliação da função endotelial, da rigidez arterial e da espessura médio-intimal da carótida. Alguns relatos na literatura sugerem o efeito benéfico da suplementação de magnésio na melhora da função endotelial da artéria braquial em pacientes com doença arterial coronariana (Fig.1)23, com insuficiência cardíaca24 e em diabéticos25 e outros mostram que a suplementação de magnésio pode melhorar a sensibilidade à insulina26,27.
Figura 1: Correlação do percentual de variação da dilatação mediada por Fluxo (%FMD) da artéria Braquial com níveis de magnésio intracelular ([Mg]I)23.
Suplementação de magnésio
O magnésio pode ser suplementado de formas diferentes, como óxido, hidróxido, quelato, sulfato e citrato. O sulfato de magnésio, por exemplo, pode ser usado como profilaxia e no tratamento anticonvulsivante na pré-eclâmpsia devido ao seu papel na regulação da pressão arterial por ação no tônus vascular28.
Alguns estudos mostraram redução de níveis pressóricos após a suplementação de magnésio. A administração de óxido de magnésio (400 mg/dia) durante oito semanas em pacientes hipertensos foi capaz de reduzir níveis pressóricos e essa redução foi detectada na medida casual e na monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA)29. Um estudo com 48 pacientes mostrou que os pacientes que receberam 600mg de pidolato de magnésio por dia também apresentaram redução nos níveis pressóricos dos pacientes suplementados, quando comparados ao grupo que não recebeu o suplemento3. Esta mesma dosagem de suplemento, também, foi associada à redução de colesterol, LDL e triglicerídeos e à melhora da resistência à insulina.
Haenni e colaboradores apresentaram efeitos positivos da suplementação de magnésio a fim de confirmar a relação entre o metabolismo deste mineral e a alteração da função endotelial ao mostrar o aumento da vasodilatação dependente de endotélio após infusão de magnésio30. Além disso, outro estudo demonstrou que a suplementação crônica de magnésio foi capaz de melhorar a função endotelial de pacientes com doença arterial coronariana23.
PERSPECTIVAS
O magnésio é um mineral com funções importantes no organismo e é importante que seus níveis estejam adequados. Os resultados conflitantes dos estudos que avaliaram os efeitos de suplementos de magnésio sobre a pressão arterial e outros desfechos cardiovasculares intermediários indicam que a ação do magnésio no sistema vascular está presente, mas ainda não estabelecida. Certamente, a falta de conclusões definitivas se deve à heterogeneidade das populações estudadas com diferentes perfis clínicos e gravidades de doença, ausência de padronização do tipo de suplemento e da dose administrada e, por fim, tempo de tratamento muito curto, na maioria das vezes entre 1 e 3 meses, dificultando atingir os objetivos primários. Baseado nos estudos mais recentes, embora não podemos fazer afirmações categóricas, parece que o magnésio está mais envolvido nas características funcionais dos vasos, sem influência sobre a estrutura vascular, e também sobre o equilíbrio metabólico local. Sendo assim, mais estudos são necessários para avaliar os riscos da deficiência de magnésio e os efeitos que devem ser considerados em suplementações deste mineral. Mas, talvez, o mais importante seja definir de forma homogênea a população do estudo, considerando mesmo gênero e faixa etária restrita, unificar a dose e o tipo de suplemento, e manter a suplementação por um período maior. Dessa forma, é possível que possamos esclarecer melhor o papel do magnésio na prevenção e no tratamento das doenças cardiovasculares.
REFERÊNCIAS
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A hipertensão arterial (HA) primária é a forma mais comum de hipertensão cuja causa permanece desconhecida. Entretanto, muitos fatores têm sido implicados na sua patogênese, como o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) e a hiperativação do sistema nervoso simpático. Além desses, alterações intracelulares nos íons cálcio, sódio, potássio e magnésio também têm sido relacionadas à elevação da pressão arterial (PA).
De acordo com a VI Diretriz Brasileira de HA, a prevalência desta doença na população brasileira é acima de 30%, segundo estudos realizados nos últimos vinte anos1. Por esta razão, vários tratamentos têm sido propostos para o controle e prevenção da HA. Entre os diversos estudos referentes aos tratamentos não farmacológicos, destaca-se a necessidade da mudança de estilo de vida com a inclusão da prática da atividade física regular e de hábitos alimentares saudáveis.
Estudos observacionais comprovam que a dieta rica em potássio, magnésio e cálcio, presentes, principalmente, em frutas e vegetais está associada à menor incidência e mortalidade por doenças cardiovasculares (DCV)2. O magnésio, em especial, tem sido alvo de muitos estudos3, e há significativa correlação inversa entre níveis séricos de magnésio e incidência de DCV4. Além disso, pacientes hipertensos, geralmente, apresentam redução do conteúdo intracelular de magnésio, enquanto que os conteúdos de sódio e cálcio estão, frequentemente, aumentados em comparação com normotensos.
A Recomendação Dietética (Recommended Dietary Allowances/RDA) para o magnésio é de 400 a 420mg diários para homens adultos e de 310 a 320mg diários para mulheres adultas; no entanto, o consumo está bem abaixo desta recomendação e a grande prevalência desta deficiência vem sendo associada a diversas doenças crônicas. O magnésio encontra-se na maioria dos alimentos, porém, em concentrações variadas. São considerados alimentos com altas concentrações os vegetais escuros folhosos, oleaginosas, cereais integrais e frutas e legumes5.
A fim de reunir mais informações sobre a associação de magnésio com doenças cardiovasculares, foi realizada uma revisão narrativa da literatura por meio da base de dados Pub- Med, com os seguintes descritores: magnesium, intracellular magnesium, hypertension, arterial stiffness, endothelial function. Foram incluídos diretrizes, revisões narrativas, estudos controlados e trabalhos experimentais, excluídos relatos de caso, nos últimos 15 anos (1996-2011).
Ações fisiológicas do magnésio
O mineral magnésio é o segundo mais abundante cátion intracelular e está envolvido em diversas e importantes reações bioquímicas6. Sabe-se que o magnésio possui efeito antiarrítmico, atua no tônus vascular [pois alterações no conteúdo extracelular de magnésio são capazes de modificar a formação e a liberação de óxido nítrico (NO)], resultando na alteração do tônus da musculatura lisa arterial e na contratilidade por afetar as concentrações de cálcio e, também, participa no metabolismo da glicose e na homeostase da insulina. Por esta razão, tem sido sugerido que a deficiência de magnésio ou alterações no seu metabolismo estejam relacionados com a fisiopatologia da hipertensão, arritmias, pré-eclâmpsia, resistência à insulina e diabetes7.
Menores concentrações de magnésio estão associadas à redução do HDL-colesterol, aumento do LDL-colesterol e dos triglicerídeos7. Adicionalmente, a deficiência deste mineral já foi previamente relacionada com estresse oxidativo, estado pró-inflamatório, disfunção endotelial, agregação plaquetária, resistência à insulina e hiperglicemia8.
Altos níveis de magnésio podem aumentar produção de adenosina trifosfato (ATP) intracelular e utilização de glicose, pois o magnésio atua como cofator de todas as reações que envolvem transferência de ATP9. A ação do magnésio como um bloqueador de canais de cálcio também pode contribuir para reduzir a liberação de cálcio e, assim, reduzir a resistência vascular. Além disso, o magnésio também ativa a bomba Na-K ATPase que controla o equilíbrio desses minerais contribuindo, então, para a homeostase dos eletrólitos nas células10.
Com relação à homeostase da insulina, há uma hipótese de que, na hipomagnesemia, ocorreria aumento da secreção de insulina e adrenalina na tentativa de manter a concentração de magnésio celular e de AMPc (adenosina 3',5'-monofosfato cíclica). Além disso, a concentração intracelular de magnésio parece ser dependente do nível extracelular, sendo seu influxo através de canais de cálcio voltagem-dependente; e se o magnésio extracelular pode, competitivamente, inibir esses canais e a corrente de cálcio, provocando redução da secreção de insulina, quando não houver magnésio no espaço extracelular esta inibição não ocorrerá, resultando em maior secreção de insulina.
Alguns estudos apontam o possível papel do magnésio intracelular como regulador na atividade dos principais canais de comunicação da membrana celular, sugerindo que pode haver uma associação entre alterações no conteúdo intracelular de íons induzida pela suplementação de magnésio e seu efeitos anti-hipertensivos11.
Magnésio e pressão arterial
Modelos experimentais de hipertensão têm sido associados à redução dos níveis séricos e teciduais de magnésio. No modelo DOCA-sal, os animais são uninefrectomizados e tratados cronicamente com acetato de desoxicorticosterona (DOCA) e cloreto de sódio (NaCl) a 1% na água de beber12. Nos ratos espontaneamente hipertensos (SHR), a elevação da PA ocorre a partir da idade de adulto jovem, em torno de 12 a 16 semanas de vida, sendo atribuída a um componente genético semelhante à hipertensão essencial humana12. Nestes dois modelos, níveis reduzidos de magnésio intracelular foram notados nas células musculares lisas e nos cardiomiócitos.
Por outro lado, a suplementação de magnésio teve pouco efeito anti-hipertensivo no SHR adulto com hipertensão bem estabelecida. Na verdade, o efeito da suplementação só foi positivo nos animais mais jovens, quando iniciado na fase pré-hipertensiva, prevenindo ou, pelo menos, atenuando o desenvolvimento da hipertensão13. Este achado é altamente sugestivo de um efeito mais preventivo da suplementação de magnésio, podendo evitar ou abrandar a elevação da PA em uma fase precoce de aparecimento da HA.
Em outros estudos experimentais, a deficiência do magnésio dietético esteve associada ao aumento dos níveis pressóricos de animais normotensos e a suplementação reverteria este quadro. No entanto, estudos clínicos de suplementação de magnésio em pacientes hipertensos mostram resultados divergentes. Apesar de se mostrar que pacientes hipertensos apresentam nível de magnésio sérico reduzido quando comparado com pacientes normotensos e que alguns estudos mostraram redução dos níveis pressóricos após suplementação de magnésio (Tab.1)3, outros estudos não confirmam este achado. Por esta razão, embora seja recomendada a ingestão adequada de magnésio através da dieta, a suplementação deste mineral ainda não é indicada como parte do tratamento anti-hipertensivo1.
Estudos experimentais, clínicos e epidemiológicos têm observado uma estreita e inversa relação entre a ingestão dietética ou suplementação de magnésio e nível de PA, indicando o potencial papel da deficiência de magnésio na patogenia da hipertensão primária14. Todavia o mecanismo não está esclarecido. Os efeitos do magnésio sobre o crescimento e inflamação da célula muscular lisa podem ser importantes.
Pacientes hipertensos sem controle da PA apresentam hipomagnesemia, e com a Medida Ambulatorial da PA (MAPA), considerada uma ferramenta importante na avaliação de tratamentos que afetam o ciclo circadiano da pressão, 15 Lasaridis e colaboradores demonstraram que a suplementação de magnésio foi associada à discreta redução dos níveis pressóricos de pacientes com hipertensão leve3.
Um estudo que comparou a relação entre concentração sérica de magnésio com desenvolvimento de disfunção vascular, hipertensão e aterosclerose não mostrou resultados suficientes para suportar esta hipótese, ou seja, o magnésio sérico baixo não pode ser considerado fator de risco para desenvolvimento dessas doenças16.
Magnésio e estrutura vascular
A HA, também, está associada a mudanças desfavoráveis nas propriedades elásticas das artérias de grande e pequeno calibre e alguns estudos têm demonstrado o independente papel prognóstico da rigidez arterial em eventos cardiovasculares em pacientes hipertensos, que pode ser avaliada por medidas da velocidade de onda de pulso (VOP). No entanto, poucos são os estudos que mostram a influência do magnésio nesta condição até o momento. Van Laecke e colaboradores, por exemplo, mostraram que a hipomagnesemia sérica, associada à HA, disfunção endotelial, dislipidemia e inflamação, pode afetar a rigidez vascular em pacientes que realizaram transplante renal já que o baixo magnésio sérico foi independentemente associado com a VOP avaliada pelo SphygmoCor17. Em um estudo experimental avaliando a estrutura da carótida em ratos, a deficiência de magnésio foi associada a um remodelamento vascular hipertrófico, o que foi atenuado pela suplementação deste íon. Estes achados sugerem que a deficiência de magnésio modifica as propriedades mecânicas em animais jovens, podendo ser um mecanismo envolvido na patogênese da hipertensão, aterosclerose e outras doenças cardiovasculares18.
Outros possíveis mecanismos de ação do magnésio seriam as suas propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes e moduladoras do crescimento celular, já que a produção de espécies reativas de oxigênio costuma estar aumentada na vasculatura de pacientes hipertensos e a participação do magnésio poderia ocorrer através da redução do estresse oxidativo e de sua ação anti-inflamatória19.
Magnésio e função vascular
A disfunção endotelial refere-se a um desequilíbrio na produção endotelial de mediadores que regulam o tônus vascular, agregação plaquetária, coagulação e fibrinólise, sendo o tônus vascular o aspecto mais estudado. Há uma piora no relaxamento dependente do endotélio, que pode ser causado tanto pela perda da biodisponibilidade do óxido nítrico (NO) como por alterações na produção de outras substâncias vasoativas derivadas do endotélio, como a endotelina 1, angiotensina II, entre outras.
O papel do magnésio na disfunção endotelial tem sido discutido na literatura. De fato, já foi relatado que o magnésio modifica o tônus vascular através da regulação das funções do endotélio e da célula muscular lisa e que tem um papel importante na via clássica da liberação de NO. Experimentos em animais, também, demonstraram aumento da produção de prostaciclina e de NO pelo magnésio, promovendo vasodilatação dependente e independente de endotélio20.
A resistência vascular periférica pode ser modificada pelo magnésio, também, através da regulação de respostas a agentes vasoativos, principalmente angiotensina II, endotelina e prostaciclina. Em animais deficientes em magnésio, foram observados níveis elevados de endotelina-1, cujos valores foram reduzidos após a suplementação deste mineral21.
Um estudo que acompanhou mais de 90 mil mulheres menopausadas mostrou que a ingestão de magnésio na dieta foi inversamente associada a concentrações plasmáticas de marcadores inflamatórios como IL-6, Proteína C-reativa (PCR) e TNF-α22. Este mesmo estudo reforçou que a ingestão de magnésio melhoraria o processo inflamatório e a disfunção endotelial, podendo desempenhar um papel na prevenção da síndrome metabólica.
Poucos são os estudos relacionando efeitos da suplementação de magnésio a exames detalhados, como a avaliação da função endotelial, da rigidez arterial e da espessura médio-intimal da carótida. Alguns relatos na literatura sugerem o efeito benéfico da suplementação de magnésio na melhora da função endotelial da artéria braquial em pacientes com doença arterial coronariana (Fig.1)23, com insuficiência cardíaca24 e em diabéticos25 e outros mostram que a suplementação de magnésio pode melhorar a sensibilidade à insulina26,27.
Figura 1: Correlação do percentual de variação da dilatação mediada por Fluxo (%FMD) da artéria Braquial com níveis de magnésio intracelular ([Mg]I)23.
Suplementação de magnésio
O magnésio pode ser suplementado de formas diferentes, como óxido, hidróxido, quelato, sulfato e citrato. O sulfato de magnésio, por exemplo, pode ser usado como profilaxia e no tratamento anticonvulsivante na pré-eclâmpsia devido ao seu papel na regulação da pressão arterial por ação no tônus vascular28.
Alguns estudos mostraram redução de níveis pressóricos após a suplementação de magnésio. A administração de óxido de magnésio (400 mg/dia) durante oito semanas em pacientes hipertensos foi capaz de reduzir níveis pressóricos e essa redução foi detectada na medida casual e na monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA)29. Um estudo com 48 pacientes mostrou que os pacientes que receberam 600mg de pidolato de magnésio por dia também apresentaram redução nos níveis pressóricos dos pacientes suplementados, quando comparados ao grupo que não recebeu o suplemento3. Esta mesma dosagem de suplemento, também, foi associada à redução de colesterol, LDL e triglicerídeos e à melhora da resistência à insulina.
Haenni e colaboradores apresentaram efeitos positivos da suplementação de magnésio a fim de confirmar a relação entre o metabolismo deste mineral e a alteração da função endotelial ao mostrar o aumento da vasodilatação dependente de endotélio após infusão de magnésio30. Além disso, outro estudo demonstrou que a suplementação crônica de magnésio foi capaz de melhorar a função endotelial de pacientes com doença arterial coronariana23.
PERSPECTIVAS
O magnésio é um mineral com funções importantes no organismo e é importante que seus níveis estejam adequados. Os resultados conflitantes dos estudos que avaliaram os efeitos de suplementos de magnésio sobre a pressão arterial e outros desfechos cardiovasculares intermediários indicam que a ação do magnésio no sistema vascular está presente, mas ainda não estabelecida. Certamente, a falta de conclusões definitivas se deve à heterogeneidade das populações estudadas com diferentes perfis clínicos e gravidades de doença, ausência de padronização do tipo de suplemento e da dose administrada e, por fim, tempo de tratamento muito curto, na maioria das vezes entre 1 e 3 meses, dificultando atingir os objetivos primários. Baseado nos estudos mais recentes, embora não podemos fazer afirmações categóricas, parece que o magnésio está mais envolvido nas características funcionais dos vasos, sem influência sobre a estrutura vascular, e também sobre o equilíbrio metabólico local. Sendo assim, mais estudos são necessários para avaliar os riscos da deficiência de magnésio e os efeitos que devem ser considerados em suplementações deste mineral. Mas, talvez, o mais importante seja definir de forma homogênea a população do estudo, considerando mesmo gênero e faixa etária restrita, unificar a dose e o tipo de suplemento, e manter a suplementação por um período maior. Dessa forma, é possível que possamos esclarecer melhor o papel do magnésio na prevenção e no tratamento das doenças cardiovasculares.
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